Os Nossos Pintores

António Carneiro – “O Poeta que se revelou Pintor”

A António Carneiro,

Pintor da alma e da paisagem

Saio de Casa. Outubro. Fria tarde.

Eis-me através de um ermo pinheiral.

O sol, já moribundo, chora e arde,

Gotejam sangue as árvores do val’.

(…)

Tudo se torna indefinido, imenso.

Um sonho ou morte as cousas envolvem.

O rio tolda o espaço; é branco incenso.

Desce à terra, em penumbra e dor, o céu.

(…)

Como eu vos amo, ó tardes de abandono!

A vossa mágoa é irmã da minha mágoa.

Eu sou talvez – quem sabe? – um outro outono,

Folhas mortas caindo… Charcos de água…

Sou esta própria tarde, em que, sozinho,

Vagueio, entre penumbras e tristezas…

Projeto a noite sobre o meu caminho

E, em meus olhos, há lágrimas acesas.”

(Teixeira de Pascoaes, Tarde de Outono In Sempre, 1898)

António Teixeira Carneiro Júnior nasceu a 16 de setembro de 1872, na freguesia de S. Gonçalo, Amarante.

Parte da sua infância foi passada em terras amarantinas na companhia de sua mãe, Francisca Rosa de Jesus, inserida num meio social muito humilde e caracterizada pela ausência de seu pai, António Teixeira Carneiro, que emigrara para o Brasil aquando do seu nascimento.

Aos sete anos ficou órfão de mãe e sem acompanhamento de seu pai, foi encaminhado para o internato no Asilo do Barão de Nova Sintra, pertencente à Misericórdia do Porto, onde se destacou, desde muito cedo, devido aos seus desenhos e ilustrações que viriam a contribuir para o seu ingresso, em 1884, na Academia Portuense de Belas Artes. Nesta instituição frequentou vários cursos desde o de Desenho Histórico, tendo como mestre Marques de Oliveira, até ao da Escultura que abandonaria depois da morte de Soares dos Reis (1889) e o da Pintura, onde recebeu lições de João António Correia (Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto).

Em 1897 partiu para Paris ao abrigo de uma bolsa patrocinada pelo Marquês de Praia e Monforte, “apoiante do artista desde 1891” (Amorim, 2012, p. 60), e aí frequentou a Academia Julien, onde foi aluno de Jean-Paul Laurens e Benjamin Constant, de quem recebeu elogios pela sua dedicação, disciplina e progressão. Por terras parisienses e, já na companhia de sua esposa Rosa Carneiro, com quem casara em 1893, o artista amarantino desenvolveu o seu intelecto e encontrou referências essenciais para a sua reflexão existencial e para a descoberta da sua identidade. Por esta cidade viveu a “crise de Fin-de-Siècle francês, oposição simbólica e idealista ao positivismo precedente, o ambiente mais propício a uma resposta às suas carências estéticas e intelectuais” (Amorim, 2012, p. 60).

Durante esta sua fase formativa sentiu necessidade de conhecer o país dos mestres do passado, para tal, 1899, visitou Itália, por onde contemplou e absorveu a cultura, as paisagens e as várias referências artísticas clássicas.

De regresso a Portugal é convidado a lecionar na Academia de Belas Artes do Porto e dirige a revista portuense Geração Nova, bem como integra a sociedade Renascença Portuguesa, sendo que nesta última colabora proximamente com o seu amigo, o poeta Teixeira de Pascoaes, ficando, em 1912, como responsável pela coordenação literária e artística da revista A Águia.

Do casamento com Rosa Carneiro nasceram três filhos, Cláudio, Maria Josefina e Carlos que representaram para o artista um refúgio sentimental que ultrapassava a sua personalidade solitária e introspetiva. Muitas das suas pinturas retratam o seu ambiente familiar, onde utilizava como modelos os seus filhos e a sua própria imagem, conferindo às suas obras pictóricas uma intimidade e uma cumplicidade familiar únicas. Obras que transmitem uma componente poética, metafísica e meditativa com uma forte capacidade de atração e de transcendência.

Um dos lugares de eleição do artista para a criação das suas obras surgiu tardiamente na sua vida, falamos do seu atelier na freguesia de Bonfim, Porto.

A construção do atelier teve ajuda mecenática de Domingos Rufino, com “intervenção de Oliveira Cabral, amigo de longa data de António Carneiro” (Castro, 1997, p. 14). Este espaço seria inaugurado em 1925, através de uma exposição do pintor num salão adjacente à sua oficina e a uma sala destinada ao seu filho, Carlos Carneiro, também pintor.

Em 1973, o espaço é aberto ao público, já sob a posse da Câmara Municipal do Porto e com a designação Casa-Oficina António Carneiro.

Atualmente o atelier está a ser reabilitado, tendo previsão de abertura no início de 2023. Com esta reabilitação o Município pretende proporcionar aos visitantes um acesso mais qualificado ao edifício e a uma parte do espólio do artista.

António Carneiro foi pintor, ilustrador, professor e poeta com uma capacidade particular de captar o invisível e o sobrenatural, recebendo o título: Retratista das Almas (Catálogo Pintura Portuguesa na Coleção de Arte).

Hoje celebramos os 150 anos de nascimento do único pintor e poeta do simbolismo português.

 

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Amorim, J. (2012). António Carneiro. Pluralidade e desígnios do Ilustrador. Dissertação de Mestrado em História da Arte Portuguesa apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Castro, L. (1997). António Carneiro: Pintura Portuguesa do século XIX. Edições Inapa.

Teixeira de Pascoaes (1997). Belo. À Minha Alma. Sempre. Terra Proibida. Lisboa. Assírio & Alvim (1ªedição de Sempre impressa em 1898).

Fotografia de capa: Retrato de António Carneiro. Fonte: Coleção Museu da Cidade – Ateliê António Carneiro.