Cada terra é fechada como uma noz verde, e não se pode alcançar o seu mistério tão simplesmente. Digo isto porque toda a gente pensa que Portugal inteiro
é a mesma coisa. Que não há diferenças. Mas há, e muitas. (…)
A alma dos lugares não é superficial, é única e distante. Eu não me atrevia a chegar com um braçado de opiniões, e partir descansada sobre a impressão
que deixava ficar. É preciso ser discreto para ser recebido como irmão.
(Bessa-Luís, A alma dos lugares. In Dicionário Imperfeito, 2008, p.15)
Não é tarefa fácil escrever sobre Agustina, nas suas palavras a autora considerava-se uma pessoa alegre, um temperamento de pura gratidão para com a vida.[1] Quase que poderemos afirmar que é uma definição tão simples e sucinta sobre a sua pessoa, mas através dela entramos na simplicidade complexa de Agustina Bessa-Luís, que sabia apreciar majestosamente a beleza das pequenas coisas.
É considerada, unanimemente, uma das grandes escritoras do século XX, sendo definida como um génio de inteligência rebelde, criadora de uma tela da humanidade e, de acordo com a escritora Inês Pedrosa, “(…) trata-se de uma pensadora de todas a coisas por pensar, de uma filósofa que se dedicou ao romance por amor às pessoas e para preservar a inocência que só as histórias, mesmo as mais terríveis sabem preservar (…)”[2].
Já José Saramago afirmou: “que se há em Portugal um escritor que participe da natureza do génio, é Agustina Bessa-Luís.”[3]
Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa, segundo a própria autora, nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de outubro de 1922.
Os seus primeiros anos de vida foram passados por terras amarantinas, mais concretamente por Vila Meã e Travanca.
Segundo a escritora:
“Eu nasci em Vila Meã, que em tempos foi sede de concelho e perdeu o título como os campeões o perdem, menos os santos, que são campeões do amor de Cristo e têm patrono mais fiel do que os juízes deste mundo. Vila Meã, portanto, que cai de surpresa da estrada de Amarante para os lugares airosos de Travanca e de Real. (…)” (Bessa-Luís, Onde Nasci. In Anto, 1997).
A casa de família em Vila Meã terá sido comprada pelo pai, Artur Teixeira Bessa, quando este veio do Brasil, no entanto vendeu-a no espaço de dois anos, uma vez que tinha uma curiosidade insaciável e uma necessidade contante de mudança.
Por Travanca, na Quinta do Paço, construiu relações afetivas seguras, que mais tarde se transformariam em memórias decifradas em várias passagens das suas obras. Nesta propriedade Agustina encontrava os avós paternos e as tias, um espaço que visitou com frequência durante a sua infância na companhia de seu irmão José Artur.
Poderemos dizer que esta habitação e este local inspiraram a autora na elaboração de um dos seus mais célebres romances – “A Sibila” (1954).
Em “A Sibila” somos transportados para a história da família Teixeira e da sua propriedade e casa inseridas no espaço rural de uma zona do Norte do país. Nela encontramos o poder e o papel de um grupo de mulheres que gere esse mesmo património, bem como uma complexa rede de relações com ambientes interiores e exteriores. As dinâmicas sociais, culturais e familiares que Agustina Bessa-Luís vivenciou na Quinta do Paço foram matéria-prima para vários enredos dos seus romances, como a própria afirmou: “O lugar do Paço foi uma escola mais importante do que a das letras. A gente que lá vivia despertou em mim a expectativa pelo extraordinário.” (Bessa-Luís, 2003, p. 5). Assim ficamos com as inconfundíveis palavras da escritora amarantina e partimos à descoberta do belo pelas terras que a viram nascer. Hoje celebramos os 100 anos de Agustina Bessa-Luís e deixamos-lhe o convite para ver ou rever o nosso programa “Lugares Peculiares na senda da Rota dos Artistas”.
Bessa-Luís, A. (2008). Dicionário imperfeito. Guimarães Editores, S.A.
Bessa Luís, A. (2003). Para Vila Meã. In Jornal de Vila Meã, nº43, Janeiro de 2003.
Bessa-Luís, A. (1997). “Onde nasci”. In Anto, nº1, Amarante, Primavera.