A nossa vida é uma série de imagens quiméricas, mais ou menos distantes, claras ou confusas, retratando num fundo escuro, além do qual talvez exista o Nada, aquela negridão sem fim que circunda as últimas estrelas.
A vida é memória, presença d’almas num corpo que as alimenta de carne e sangue, porque a ilusão devora a realidade. A vida é memória, coleção de imagens fabulosas e um olhar desolado que as comtempla; um olhar que vem atrás da noite do infinito e brilha, dentro em nós, como a própria luz da consciência.
(In Livro de Memórias, 2001, p.46)
Teixeira de Pascoaes, poeta-filósofo amarantino, emerge por entre as encostas do Marão como uma brisa que passa e que nos enche o espírito com resquícios de saudade. O poeta nasceu a 2 de novembro de 1877, em Amarante, e viveu quase toda a sua vida pela região do Marão, numa caminhada solitária e fortemente ligada à natureza.
Aos três anos de idade muda-se com a sua família para a aldeia de S. João de Gatão, mais concretamente para o Solar de Gatão. Aí o poeta inicia a descoberta da paisagem envolvente, estabelecendo um permanente diálogo com a natureza.
O Solar será a cápsula de memórias de Teixeira de Pascoaes, nele habitou até ao fim dos seus dias, deambulou entre o passado e o presente, e pelos seus recantos encontrava sempre a lembrança dos seus avós e dos seus pais.
Esta casa e as suas extensões “o jardim, a quinta, o campo, a serra (…); os criados que lhe contavam histórias de bruxedos, casos terríveis de ladrões (…); os perfis de pessoas da terra – seres grotescos e trágicos, obscuros e todavia espantosos, míticos” (Coelho, 1967, p. 12-14) transformaram-se no mote de muitos dos seus trabalhos em verso e prosa, caracterizados pelas temáticas da natureza, do medo, da sombra, do portuguesismo, entre outras, do saudosismo.
A transição para a escola primária, localizada ao Largo do Campo da Feira, em Amarante, e para o liceu instalado à época nas dependências do Convento dominicano de S. Gonçalo, terá sido marcante para o poeta, levando-o a confessar a sua dificuldade na adaptação ao meio académico, afirmando que o personagem do estudante substituiu o seu verdadeiro ser.
Neste ambiente de vila, Pascoaes foi invadido por diferentes cenários e personagens que o ligavam à sua aldeia, Gatão. Assim, ia recordando o seu cão Nilo, o seu jumento, a criada Lucrécia, os seus avós, os camponeses, os pássaros, ambientes de um rapazinho vindo da aldeia e que naquele momento sentia-se abstrato e distante (Coelho, 1967).
Por estas geografias Pascoaes-homem confundiu-se com Pascoaes-poeta, e por aqui estabeleceu uma estreita relação com a natureza, fator que lhe permitiu, por diversas vezes, alcançar a transcendência e misticismo. As paisagens do Marão e as margens do rio Tâmega entraram no espírito de poeta-homem muito cedo e nunca mais dele saíram.
A partir de S. João de Gatão e da vila de Amarante, Teixeira de Pascoaes, como refere Samuel (1994), viajou para a universalidade do mundo, criando os seus livros de versos, prosas, ensaios e cartas que o transportaram para uma rede de contactos que extravasou as fronteiras portuguesas.
Hoje celebramos, de forma especial, o poeta de Marânus, “pensador e escritor profético, o Solitário de Gatão” (Coutinho, 1994, p. 6), Teixeira de Pascoaes.
Coutinho, J. (1994). O Pensamento de Teixeira de Pascoaes – Estudo hermenêutico e crítico. Dissertação de Doutoramento em Filosofia apresentada à Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa.
Coelho, J. (1967). Obras Completas de Teixeira de Pascoaes. Poesia. I Volume. Livraria Bertrand.
Samuel, P. (2004). Viajar com… Teixeira de Pascoaes. Ministério da Cultura, Delegação Regional da Cultura do Norte. Edições Caixotim.
Teixeira de Pascoaes (2001). Livro de Memórias. Lisboa. Assírio & Alvim.
Teixeira de Pascoaes (1997). Belo – À Minha Alma – Sempre – Terra Proibida. Lisboa. Assírio & Alvim.
Sofia Mesquita,
Stay to Talk Instituto de Imersão Cultural