“(…)
II
Ondas salgadas desse mar tão belo!
Cristalizai sob a influência astral:
Quero erguer entre nuvens um castelo
Excêntrico, de sal…
III
Ondas! Aqui, só oiço entre destroços
Cantigas de estudantes pela rua.
Ai! Quem me dera ouvir os Padre-Nossos
Que vós rezais à Lua!…
(…)”
(António Nobre, Às Ondas do Mar in Primeiros Versos, 1888)
Neste dia há 156 anos nascia o poeta António Nobre na freguesia de Santo Ildefonso, Porto.
O poeta que desejou regressar ao mar no momento da sua morte, viveu intensamente a simbologia que a imensa mancha líquida azul representa para Portugal. Um homem marcado por uma mescla de vivências, muitas delas ocorridas em ambientes rurais, em ruas e recantos de cidades como o Porto, Coimbra, Paris, mas também em paragens à beira-mar, entre elas Leça da Palmeira.
Desde muito jovem alimentou uma relação bucólica, mas ao mesmo tempo heroica com o mar, salientando em muitos dos seus versos as suas raízes ligadas ao mar, assim como todo um passado e tradição de muitas comunidades portuguesas “dependentes” das riquezas do oceano. Esta estreita relação do poeta com o mar terá sido resultado “(…) de uma feliz adolescência nas praias de Leça e da Boa Nova, a sua ermida à beira-mar.” (Pires, s.d., p.1).
“(…)
Õ Boa Nova, ermida à beira-mar,
Única flor, nessa vivalma de areais!
Na cal, meu nome ainda lá deve estar,
à chuva, ao Vento, aos vagalhões, aos raios!
Õ altar da Senhora, coberto de luzes!
Õ poentes da Barra, que fazem desmaios …
Õ Santana, ao luar, cheia de cruzes!
Ó lugar de Roldão! vila de Perafita!
Aldeia de Gonçalves! Mesticosa!
Engenheiros, medindo a estrada com a fita …
Água fresquinha da Amorosa!
Rebolos pela areia! Ó praia da Memória!
(…)”
(António Nobre, Lusitânia no Bairro Latino in Só, 1892)
Aos quinze anos percorre as praias de Leça e todo esse cenário determina os seus primeiros versos recheados de lirismo, onde o mar adquire estatuto personificado, sendo tratado como herói, mas ao mesmo tempo como vilão. Um mar que marcou profundamente a sua literatura como um imenso caldeirão salgado que tanto engolia vidas como permitia feitos heroicos.
“(…) Nesse bom velho, o mar!”, como afirma Nobre no poema “Ave”, encontrou o assento embalado pelo vai e vem das ondas e, aí observou as dinâmicas associadas ao gigante de águas azuis, junto a ele namorou e escreveu sobre a paixão, mas também registou verdadeiros retratos sociais – os pescadores e as vareiras preenchem versos da sua poesia –, assim como todas as tragédias a ele ligadas, intitulando-o “jazigo de paquetes, de ossos”. Celebramos António Nobre junto ao mar, verdadeiro conselheiro e confidente do poeta.
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Nobre, A. (1966). Só. Porto. Livraria Tavares Martins. 13ª edição. (1ªedição do Só, impressa em Paris em 1892)
Nobre, A. (1984). Primeiros Versos: 1882-1889. Lello&Irmão. Porto.
Pires, C. (s.d). Representações do Mar nos primeiros versos de António Nobre. Disponível em citcem.org
Sofia Mesquita,
Stay to Talk Instituto de Imersão Cultural